Vai ficar tudo bem?, por Francisco Guimarães

Estado de emergência: dia 6

Hoje, quando acordei, escrevi em tom acinzentado a frase que mais tem sido usada nos últimos tempos: “Vai ficar tudo bem”. São estas três palavras, cheias de cor e alegria, que enfeitam as janelas das casas, as portas dos prédios e as grades dos jardins. “Tutto andrà bene” conforta, encoraja, dá esperança e vida aos corações perdidos, num amor materno e inquebrável.

Quando estava a escrever a frase, deparei-me com uma entrevista na RR de um capelão num hospital da região da Lombardia, que falava sobre isso. Em Itália, o horror parece querer perfurar o alento e, mesmo assim, escrevem aquilo nas paredes…! Para quê? Será que acreditam mesmo que vai correr tudo bem? Ou a frase foge da literalidade, e o sofrimento, a dor, a agonia e as lágrimas vão permanecer? Se assim é, porque raio é que vai correr tudo bem?

A realidade diz-me que a humanidade pode suplantar a crueldade e o terror. É assim que tem sido em momentos cruciais da história. A beleza, a justiça, a verdade e a liberdade são instrumentos de salvação na penumbra de muitas grutas, mas tais coisas não eliminam a possibilidade de ficarmos marcados com feridas resistentes e, muitas vezes, incuráveis. Os sem abrigo estão perdidos na floresta, os hospitais estão lotados, o número de ventiladores é escasso, o número de mortos aumenta exponencialmente, as pessoas estão assustadas e muitas fechaduras se estão a trancar. Então porquê dizer uma mentira?

Porque o “vai correr tudo bem” não se trata de uma mentira, se for dito com seriedade, profundidade e franqueza. O “vai correr tudo bem”, aquele que eu quero que me gritem do fundo das entranhas quando for a minha vez, é o que responde com um sentido ao que estou a viver e não com uma história de encantar, por muito que eu não o compreenda. “O vai correr tudo bem”, sereno e verdadeiro, é o que não esconde a minha dor com panos quentes na testa, por mais insuportável que ela seja, é o que olha para a realidade como ela é.

Eu sei que não vai correr tudo bem, eu sei que o sofrimento é, muitas vezes, incompreensível, eu sei que tudo isto está ainda no princípio, eu sei que vai ser duro, pesado e penoso para tanta gente que está só e desamparada, mas estou certo que existirá sempre alguém que tem o condão de me indicar o caminho, que me acolhe nessas incertezas e inquietudes. Existirá sempre alguém que aponta para horizontes mais vastos, ainda que eu esteja desesperado no pântano da minha existência.

Francisco Guimarães