Vale a pena ser professor, por Ricardo Formigo

A casa onde Maria Ulrich viveu no número 240 da Rua Silva Carvalho foi concebida para receber professores que pudessem partilhar as suas vivências e desafios.

No passado dia 27 de novembro, esta casa abriu portas para receber uma série de professores que queria responder à pergunta “Vale a pena ser professor hoje?”. E o encontro teve lugar na cozinha, na divisão de pé direto alto num frio e chuvoso fim de tarde de outono. Como disse a Isabel Almeida e Brito para começar o encontro, todos precisavam de ir ao supermercado, portanto, seria algo breve. A informalidade do encontro entre os vários professores de diversas realidades educativas, desde a infantil ao liceu, mostrou que a urgência que há em olhar para esta pergunta, sobretudo numa altura em que se vive uma crise social provocada pela falta de professores em tantas escolas. Mas o que é afinal um professor? A Catarina Almeida ajudou-nos a perceber que é alguém que em primeiro lugar se interessa e entusiasma pela sua própria vida e só assim tem algo a dar aos outros. O facto de alguém viver com interesse a sua vida leva-o naturalmente a interessar-se pelos outros, a formar uma comunidade onde professores e alunos vivem entrelaçados. Algo comum a todos os educadores é que, na infância ou na adolescência, puderam encontrar alguém – um professor – que se interessava por eles, que tinha ternura para com o entusiasmo, as descobertas, a estupidez e a necessidade do aluno.

De onde vem a crise de professores que hoje invade os noticiários dos portugueses? Segundo as nossas oradoras, a falta de estima e de amor que temos a nós próprios é a culpada. Se não nos estimamos, como podemos amar o mundo, amar os outros, amar a realidade? A realidade perde o interesse quando se perde o fascínio pelo protagonista da mesma. A crença de que o professor tem algo para oferecer, mesmo o professor mais cínico que marcou a vida de um aluno e que hoje está desanimado. “Lembra-te que para mim fizeste a diferença!” é algo que devemos recordar aos nossos professores cansados da vida. Em simultâneo, somos filhos de uma cultura que deseja a autonomia: está dentro das nossas cabeças e dos nossos programas a ideia de que ser autónomo é bom e que o objetivo da educação é fazer com que o educando não necessite dos outros para nada.

Os professores têm naturalmente de lidar com a autêntica experiência humana, que é feita de acertos e de erros. E como se faz para lidar com os erros? No dia a seguir é necessário recomeçar, infatigavelmente, em ordem a recuperar o valor humano das coisas, e a nossa própria humilhação faz-nos reencontrar o valor das relações.  Se a pergunta que deu título à conversa neste frio e chuvoso fim de tarde de outono foi respondida penso que não, porque é uma pergunta que um professor tem de se fazer todos os dias, sem se deixar vencer pelo drama e pelo desânimo. No entanto, a existência de um lugar onde, sem pretensões, se pode falar sobre as experiências e desafios de cada um é um valor a custodiar. Pois, todos os professores, mais ou menos, têm os mesmos problemas e falar sobre as coisas ajuda-nos a regressar à essência da nossa missão, na qual, afinal de contas, não estamos sozinhos.

Ricardo Formigo, professor