Vinha desde sempre Naquela noite, o rei Baltasar, depois de a Lua ter desaparecido atrás das montanhas, subiu ao cimo dos seus terraços e disse: — Senhor, eu vi. Vi a carne do sofrimento, o rosto da humilhação, o olhar da paciência. E como pode aquele que viu estas coisas não te ver? E como poderei suportar o que vi se não te vir? A estrela ergueu-se muito devagar sobre o Céu, a Oriente. O seu movimento era quase imperceptível. Parecia estar muito perto da terra. Deslizava em silêncio, sem que nem uma folha se agitasse. Vinha desde sempre. Mostrava a alegria, a alegria una, sem falha, o vestido sem costura da alegria, a substância imortal da alegria. E Baltasar reconheceu-a logo, porque ela não podia ser de outra maneira. in Os Três Reis do Oriente , de Sophia de Mello Breyner Andresen Sempre gostei dos Reis Magos. No presépio em casa da minha avó, passavam quase despercebidos no meio de tantas personagens mas lembro-me que eram os últimos a chegar e, por isso, o Natal esperava por eles para acabar. Voltei a ler a esta semana Os Três Reis do Oriente. A distância que separava os Reis era imensa… Física, cultural, espiritual, geográfica. Que os separava uns dos outros e os separava do Menino. No entanto, a experiência que faziam era a mesma e consistia na grande expectativa de encontrar “a fonte que não pára de correr”, “o homem que não morreu”, “outra lei e outro reino”. Encontrar o que nos falta ao coração. E se nos falta, existe. Tem de existir! E, por isso mesmo, a estrela “vinha desde sempre”. Quando se move no céu aquela estrela, os Reis ainda têm muita estrada por percorrer e muitas montanhas por atravessar, até encontrarem Aquele Menino. Mas o coração vibra imediatamente, reconhece logo a “substância imortal da alegria” e, então, começam a caminhar, na certeza que a estrela, o sinal, coincide com o Mistério, porque só Ele pode fazer vibrar assim o coração. Possamos também nós caminhar assim, na certeza que, no regresso, depois de encontrar o Menino, voltaremos por outro caminho… Catarina Almeida