Horizontes grandes, por Catarina Almeida No primeiro dia de praia, a Filipa fugia do mar. Tem cinco anos, irmãos, primos, pais e tios variados e todos tentam convencê-la a entrar. Alguns mais velhos, outros mais novos, todos se deliciam em mergulhos, carreirinhas ou apenas a conversar ao fresco. Estamos no Algarve, no Sotavento, e diga-se que as ondas mais parecem sopros serenos. Não têm altura, não têm força; só aquele balanço que descansa o olhar e transporta as algas. A Filipa, ainda assim, fugia do mar. O calor faz-se sentir – e de que maneira! -, mas nem isso a faz mudar de ideias. Mal alguém se aproxima, afirma peremptória: – Não quero ir. Baldinhos aqui, molhas inadvertidas ali para a pequena não esturricar, mas não havia meio. Passados três ou quatro dias, comecei a reparar que ia buscar água com o balde para construir castelos com o pai. Molhar areia parecia uma tarefa suficientemente digna para arriscar o contacto marítimo. Depois, também começou a fazer guerras de splash com água pelo joelho. Uma semana depois, arriscava aquele mergulhinho para trás de nariz tapado, só para molhar a cabeça. Já estão a ver o fim da história, não é? A Filipa terminou a quinzena de praia a aventurar-se alegremente em banhos, a fazer concursos de saltos e a pedir para ir mais longe. Cada vez mais longe. E esta bela narrativa, é para quê? Muitas vezes, pensamos que a tarefa dos adultos consiste em dar uma segurança tal às crianças que lhes permita reconhecer os limites do que é desejável e permitido. Ouvimos dizer que as crianças têm de aprender os limites e que isso acontece por imitação e em relação com o adulto. Não deixa de ser verdade, claro, mas seria tão redutor se fosse esse o ponto de partida. A Filipa foi observando e testou várias modalidades: ia sozinha, fingia que estava só a apanhar conchas à beira-mar para poder observar o irmão mais velho afoito na sua prancha, captando assim o entusiasmo que a arrastava dia após dia… Conhecer os limites – os seus e os do mar -, saber o que fazer para não se afogar, apropriar-se de um conjunto de regras e modos de fazer, seria sempre insuficiente para sedimentar nela a vontade firme de enfrentar as ondas e os seus – ainda que diminutos – perigos. O que a fez arriscar? Estive bem atenta ao longo dos dias. O tempo ia passando e ela ia dando pequenos passos em direção ao mar, entrando sempre mais um bocadinho. A possibilidade de se encontrar com as ondas, de mergulhar por cima e por baixo, de saltar e experimentar acrobacias variadas… Tudo se foi revelando ao ver os amigos e os crescidos que iam sorrindo, estendendo uma mão aqui e ali. Aos seus “nãos”, ofereciam um “sim” mais completo, porque cheio de alguma coisa mais interessante: poder ir mais longe no mar. E a vida é como este grande mar, cheia de ondulação serena, mas também de vagas mais fortes e abaladoras. Que neste ano que começa possamos nós olhar para os nossos filhos e alunos e lembrar-nos da Filipa. Queira Deus que os limites possam ser descobertos dentro do risco de entrar no mar e enfrentar as ondas, enquanto nos ocupamos do grande horizonte que há por conquistar…! Catarina Almeida