Por que esperamos?, por Catarina Almeida

[A esperança] obriga-nos a recomeçar dezenas de vezes a mesma coisa.
Ou ir dezenas de vezes pelo mesmo caminho.
E que é normalmente o caminho da decepção.
(Terrena.)
Mas para ela é igual. Ela é como uma criança.
Ela é uma criança.
Pouco lhe importa obrigar a gente adulta a fazer o caminho.
A sabedoria terrestre não é assunto dela.
Ela não calcula como nós calculamos.
Calcula, ou nem calcula, ela faz as contas sem se dar conta,
tal qual uma criança.
Como alguém que tem a vida toda à sua frente.
E pouco lhe importa se nos obriga a caminhar.
Acha que somos todos iguais a ela.
Não tem em conta as nossas inquietações, os nossos trabalhos.
Limita-se a contar./ Acha que temos, como ela, a vida toda à nossa frente.
Como ela se engana! Como ela tem razão!
Porque não temos a Vida toda à nossa frente.
A única que conta. A vida Eterna.

Acha que temos, como ela, a vida toda à nossa frente. Como ela quem? Ao reler os versos de Charles Péguy, nos seus Portais do Mistério da Segunda Virtude, a primeira pergunta que me surge é “ela, quem?”.

E não, não é artificial, porque poderia substituir o pronome por vários nomes de crianças (e adultos!…) que conheço. A Teresa, a Aline, a Maria, a Vera, a Alice, a Francisca, a Elaine, a Joana… E eles, também.

São muitas as pessoas e as circunstâncias que me levam a tropeçar na humaníssima esperança; queiramos ou não, somos confrontados com a experiência de voltar a esperar algum bem, alguma verdade, alguma beleza, mesmo nas coisas velhas e relhas.

Ontem, durante uma aula, ralhei injustamente com uma “ela”. Ficou a chorar, ofendida com a humilhação e cheia de razão. Pedi-lhe desculpa e, no mesmo segundo, enxugou as bochechas e avançou pela vida fora.

Ela não calcula como nós calculamos.
Calcula, ou nem calcula, ela faz as contas sem se dar conta,
tal qual uma criança.

Hoje de manhã, correu para me abraçar como sempre. Como alguém que tem a vida toda à sua frente.

Este episódio pequeno e banal fez-me compreender melhor a urgência de recuperar a dimensão estrutural e constitutiva da esperança que habita o coração de cada um de nós. Nas crianças, é evidente; nos adultos, é preciso ter recebido uma grande Graça. A Graça de uma companhia que torna esta experiência viva e presente, que ajuda a recomeçar dezenas de vezes a mesma coisa. Ou ir dezenas de vezes pelo mesmo caminho. Que é coisa que as crianças fazem com natural facilidade.

Quando nos afastamos de tal caminho, para não ter de o percorrer tantas vezes, tentamos convencer-nos de um otimismo balofo, damos as mãos e dizemos que está tudo bem, porque nos iludimos sobre a nossa capacidade de dominar, controlar e até produzir as circunstâncias. Achamos que somos deuses e que medimos com a palma da nossa mão. Começamos a ter em conta as nossas inquietações, os nossos trabalhos, e desviamos o olhar do caminho que é preciso recomeçar e repercorrer; afastamo-nos dos olhares que nos conservam um coração atento e disponível, que continua a esperar num futuro porque vive o presente sem medo de arriscar o coração – que é bem maior do que a palma da nossa mão.

As crianças pouco se importam de obrigar a gente adulta a fazer o caminho e não calculam como nós calculamos. Vão mais longe: desafiam-nos a levá-los connosco pela Vida toda que temos à nossa frente, porque têm a certeza de que não acaba. Têm uma esperança viva.

Somos filhos e netos de um século que teimou em contrariar a experiência de termos um Pai bom, que nos ama, que nos gera incessantemente no Seu coração e, por isso, nos fez espera. Fez-nos assim, à Espera.

Agora, temos filhos e netos que nos imploram que façamos contas com o desejo deles. E com a certeza de que se pode recomeçar no dia seguinte, dentro do mesmo abraço, para dar passos novos e renovados. Vamos com eles?

Catarina Almeida